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Acervo Aprender Ciência 2007-2011  Webmaster: Tales Rebequi da Costa Borges de Souza   Arte-finalista: Heidi Campana Piva
A Ciência nossa de cada dia

Prof. Dr. José Ribamar dos Santos Ferreira Júnior

Formado em Química e com Doutorado pela Universidade de São Paulo, hoje professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (USP). Atualmente desenvolve sua pesquisa na área de Bioquímica e Biologia Molecular, com ênfase em Comunicação entre Mitocôndria e Núcleo.

Professor Ribamar, nós, do Aprender Ciência, gostaríamos que você contasse um pouco sobre a sua trajetória de formação e as razões que o levaram a se tornar um cientista.
 
Ingressei no curso de Bacharelado em Matemática, do Instituto de Matemática e Estatítsica da Universidade de São Paulo. Na verdade, prestei vestibular na grande carreira de Engenharia e Ciências Exatas, com objetivo de cursar Engenharia Química na Escola Politécnica. Porém, após o primeiro semestre de USP, comecei a fazer algumas disciplinas optativas no Instituto de Química. Nessa época, notei que minha inclinação por pesquisa básica era muito grande. Então, prestei novamente as provas do vestibular da FUVEST e ingressei no curso de Bacharelado em Química. Após a graduação, obtive meu doutoramento em Bioquímica e viajei para os Estados Unidos, onde fiz um pós-doutoramento de três anos e meio em Bioquímica e Biologia Molecular da levedura Saccharomyces cerevisiae , o mesmo organismo-modelo com o qual trabalhei no doutorado. De volta ao Brasil, fiz o segundo pós-doutoramento, na USP, campus de São Carlos, no laboratório vizinho ao qual a Profa. Dra. Patricia Campana fez seu doutoramento. Finalmente, prestei concurso para uma vaga de professor doutor aqui na EACH.

Gostaríamos de saber também a respeito das suas pesquisas científicas, o que já realizou o que está realizando no momento.

No doutorado desenvolvi trabalho sobre “comunicação entre mitocôndria e núcleo” em levedura. E o que seria isso? Você imagina que dentro da célula há várias organelas: o núcleo, a mitocôndria, o Golgi. Essas organelas, da forma que aprendemos no ensino médio, parecem-nos meio passivas, cada uma fazendo o seu papel, sem uma interação muito clara umas com as outras. Porém, o que aprendi no meu doutorado foi que, ao longo da evolução, após o surgimento das mitocôndrias, ocorreu a necessidade da célula encontrar vias de comunicação entre essa organela e o núcleo.

Durante o período evolutivo que precedeu o aparecimento dessas vias, as mitocôndrias enviaram muito do seu material genético para o núcleo da célula. Assim, muitas proteínas mitocondriais são sintetizadas à partir de genes localizados no núcleo celular, e exportadas para a manutenção das mitocôndrias, por meio de uma máquinaria proteíca complexa. Para que estas proteínas sejam exportadas o núcleo precisa ser avisado. As mitocôndrias, então, enviam um sinal para avisar o núcleo de suas necessidades, e o mesmo começa a produzir os mRNAs que são exportados para o citoplasma e traduzidos em proteínas precursoras que são endereçadas à mitocôndria.

Mais especificamente, no doutorado estudei uma família de genes envolvidos no metabolismo de galactose. Quando inibia a respiração (que é uma atividade mitocondrial) a célula era incapaz de metabolizar o carboidrato. Isso porque ao inibir a respiração as células não recebiam o sinal mitocondrial para metabolizar galactose. Sem esse sinal, os genes do metabolismo desse açúcar não eram expressos. Esse sinal, ainda hoje, é o objeto de estudo majoritário do tipo de pesquisa que desenvolvo.

Professor Ribamar, como você encara o papel da ciência na sociedade? O papel que ela tem ou que ela deveria ter? Você vê alguma relação entre tecnologia, ciência e desenvolvimento?

A sociedade, ao longo dos séculos nos quais viveu nossa civilização, construiu vários tipos de relações, que, idealmente, deveriam ser moralmente e eticamente corretas. Nós sabemos que a Ciência busca desenvolver e entender as coisas sempre com o objetivo de trazer o maior benefício para o ser humano. Por outro lado, algumas pessoas perceberam que podem obter dinheiro através do conhecimento científico, e esta percepção faz parte da construção do capitalismo. Assim, hoje, muitos cientistas focalizam suas pesquisas na resolução de problemas que possam resultar em benefício para o ser humano, enquanto outros se preocupam em também obter dinheiro como resultado de seus trabalhos. Esse último tipo de pesquisa envolve a indústria farmacêutica.

E isso é bom? Sim, sem dúvida, mas pode gerar algumas conseqüências para a Ciência enquanto houver parte dos cientistas nessa busca intensa ditada pelos interesses das indústrias de medicamentos. O cientista que entrega muito do seu tempo de trabalho à necessidade empresarial deixa de trabalhar em problemas suscitados em sua busca individual ou em interesses da sociedade. 

Uma pergunta freqüente por parte de crianças e jovens, sobre a qual gostaríamos de ouvi-lo: Por que aprender ciência na escola?

Quando eu tinha dez anos de idade meu pai me deu um microscópio de plástico, daqueles de brinquedo, e eu ficava com ele para lá e para cá. Quando estava na 5ª série do ginásio (hoje chamado 6° ano) comecei a cursar disciplinas de ciências e percebi que tinha muitas atividades que eu poderia transportar para a minha casa. “Ah! Vamos ver uma rolha de cortiça no microscópio”. E foi exatamente a combinação dessas duas coisas: o fato de eu ter o ensino na escola mais o suporte da minha família, com brinquedos que despertaram meu interesse científico, que colocou a semente para eu ser um cientista hoje. Isso foi crescendo dentro de mim, e em dado momento floresceu: justamente quando eu entrei na USP e descobri que gostava muito das ciências básicas. Aí está a importância de ensino de Ciências na escola: despertar o interesse no aluno para ser um cientista, pois um país precisa de cientistas para crescer. Então você ensina e espera que haja um outro tipo de suporte externo, não só na escola, pois, pela falta de maturidade nem todos os estudantes vão entender o quanto isso é importante. Eu tive sorte de transportar isso para minha casa. Talvez, se eu não tivesse o microscópio em casa, eu tivesse ido assistir TV.

Em sua opinião, quais são os grandes desafios científicos atuais e das próximas décadas? (problemas em aberto, áreas promissoras...)

O maior desafio hoje, na minha visão, é o entendimento de como o cérebro funciona. Esse é o maior desafio porque não se sabe muito da Bioquímica do cérebro, nem de sua Biologia Celular, tampouco como elas estão integradas. Nós não sabemos como tudo isso trabalha para construir uma resposta no organismo. Então, creio que esse é um desafio muito grande: entender o cérebro de um ponto de vista muito mais amplo que não só o reducionista: Bioquímico, Biologia Celular etc .

Um outro desafio, igualmente importante, é compreender os sinais que permitem a diferenciação correta das células-tronco, porque, embora tenham potencial para serem utilizadas em diversas aplicações da medicina regenerativa, ainda não se sabe como funcionam corretamente. Por exemplo, se a pessoa estivesse com uma doença no cérebro, que levasse à perda neuronal, injetariam-se células-tronco embrionárias a fim de promover reparo do tecido cerebral.
Infelizmente, isso não é tão fácil porque não sabemos quais os sinais químicos que essas células precisam para se diferenciar. Nos animais-modelo, ratos, elas geralmente se diferenciam em teratoma (um tipo de tumor), isso sabemos. Assim, é necessário descobrir quais os compostos químicos necessários para que essa diferenciação seja feita corretamente para a formação de neurônios. Outro problema é não sabermos quais são os sinais adicionais dos quais essas células neuronais jovens necessitariam, para se interconectar à rede neural pré-existente. Se soubéssemos quais são esses sinais e compostos químicos seria um grande avanço. Logo, hoje, a comunidade científica tem um grande desejo de entender qual a linguagem química, o alfabeto químico dessas células para fazer com que elas trabalhem a nosso favor.

Entrevista cedida às alunas Joice Graciano da Silva e Bianca Oliveira Gomes, e por elas transcrita
sob a supervisão da professora Patricia Targon Campana.